Show de visual. É assim que defino a reportagem especial da Veja da semana passada (25/6). As ilustrações e infográficos ajudam e muito a explicar um tema naturalmente complexo. Mas, tirando isso e o anúncio da aguardada experiência com o Large Hadron Collider (LHC) – praticamente a única coisa nova da matéria –, o restante do texto é uma bem feita apresentação de conceitos mais ou menos antigos. Quem acompanhou livros e revistas científicos nas últimas duas décadas e meia (como Uma Breve História do Tempo e o período áureo da Superinteressante), vai perceber que a matéria de Veja é um requentado de velhas noções e teorias cosmológicas e cosmogônicas.
Do começo ao fim, o texto parte do pressuposto de que o Universo teve início com o evento (singularidade) conhecido como Big Bang, mas peca, no meu entender, ao não apresentar as objeções a esse modelo, como as apresentadas pelo físico Gabriele Veneziano, do Cern (o mesmo laboratório que vai usar o LHC para pesquisar partículas elementares), objeções essas publicadas alguns anos atrás na revista Scientific American Brasil.
Tá certo que a teoria do Big Bang conta com algumas evidências interessantes como a provável expansão e resfriamento do Universo, a detecção da tal radiação de fundo, em 1965 e o fato de a matéria estar espalhada na mesma proporção por todo o cosmo conhecido. Mas por que não falam sobre a existência de galáxias "velhas" num universo "jovem", por exemplo. Não adianta jogar essas evidências discrepantes para baixo do tapete.
A seguir, alguns trechos da reportagem, com meus comentários entre colchetes:
Já de início, a matéria de Rafael Corrêa pergunta: "Como era o universo antes da súbita expansão inicial, o Big Bang?" E responde: "Nenhum cientista sabe e talvez nunca venha a saber. O que ocorreu para que uma semente de energia estável menor que um próton, um dos componentes do átomo, entrasse em furioso desequilíbrio e passasse a ocupar com jorros de partículas, em pouco minutos, uma região de trilhões de quilômetros?"
[Talvez os cientistas nem queiram saber ou não se atrevam a explicar o que houve antes do Big Bang, porque isso tem implicações teológicas claras. Afinal, como entender que a matéria, o tempo, o espaço e as leis que regem tudo isso surgiram de repente? O Big Bang nos dá a noção de que o Universo teve um início e, portanto, não pode ter dado origem a ele mesmo, senão já teria existido antes. O Big Bang também nos mostra que o Universo teve que ter uma causa, já que tudo que tem um começo tem que ter uma causa. Assim, se essa causa não é o próprio Universo e não pode ser naturalista, pois nada do que é "natural" existia antes desse evento, a única maneira de entender/explicar a origem de tudo é por uma causa primeira não causada e sobrenatural. Por isso, mesmo que a origem do Universo não tenha ocorrido por meio do Big Bang, mesmo que o bóson de Higgs (a tal "partícula de Deus") não seja detectado e force uma revisão nas teorias científicas sobre a origem de tudo, o modelo do Big Bang acaba sendo bem tentador para os teístas, já que coloca um ponto de partida para tudo o que existe no plano material.]
A matéria de Veja, como não poderia deixar de ser na revista que tem se transformado na maior defensora do naturalismo filosófico e do darwinismo em nosso país, afirma que "aos poucos a Terra [começou] a se transformar em um ambiente propício ao surgimento, à manutenção e à reprodução de formas orgânicas. De moléculas cada vez mais complexas surge o primeiro ser unicelular capaz de fazer uma cópia idêntica de si mesmo, de se reproduzir. Isso é vida. ..."
[Atitude previsível a de sair da cosmologia e entrar na biologia evolutiva, como se uma coisa tivesse tudo a ver com a outra; como se ao se provar o Big Bang naturalmente se provasse que a vida teve início segundo a visão de Darwin. Forçaram a barra. É muito fácil afirmar que moléculas inorgânicas teriam se agrupado e dado origem à primeira forma de vida, como se isso fosse tão simples e facilmente demonstrável. Para mim, aqui está a intenção "subliminar" da reportagem de Veja: mostrar que as pesquisas sobre a origem do Universo são como as pesquisas sobre a origem da vida. E aqui também reside a maior fragilidade da matéria. Tanto o experimento de Miller, em seu balão de vidro cheio de gases submetidos a descargas elétricas, quanto os testes que serão feitos do LHC não provam o que pode ter ocorrido no início - da vida e do Universo - pelo simples fato de que ninguém estava lá para observar esses eventos e tudo o que diz respeito a isso não passa de modelos teóricos. Assim, Miller provou que ao se planejar um experimento com certa proporção calculada de gases, certa intensidade calculada de energia e outras condições igualmente calculadas, pode-se obter alguns aminoácidos e muito alcatrão (nunca detectado em rochas do cambriano ou pré-cambriano). Ou seja, a experiência de Miller prova que com planejamento inteligente se pode obter resultados previamente esperados. Para mim, as experiências com o LHC são semelhantes. Não vão demonstrar o que houve nos instantes iniciais do Universo, mas nos darão uma boa oportunidade de verificar o que o ocorre com a matéria sob certas condições previamente calculadas e planejadas. E é exatamente isso que diz a reportagem, na página 86: "O LHC é um reality show que vai produzir e acompanhar as interações mais íntimas do interior da matéria jamais observadas pelo homem."]
Detalhe: para não deixar dúvida quanto à escolha por parte de Veja da tese evolucionista das origens, compare estes dois trechos: "O mito bíblico da criação" e "Algumas questões povoam a mente humana desde que os primeiros clãs se reuniram em torno da fogueira na savana africana". A criação bíblica é tida como "mito" ao passo que a controvertida origem humana (cuja "árvore evolutiva" vive sendo revista) a partir das savanas é afirmada sem questionamento... Fazer o quê?
E aqui está uma das maiores demonstrações de "fé científica": "Seus [do LHC] responsáveis vão recriar as condições que existiam no Universo quando ele tinha apenas um trilionésimo de segundo de existência. Isso é um feito de extraordinárias conseqüências práticas e teóricas. Equivale a lançar uma sonda capaz de viajar 13,7 bilhões de anos no tempo e registrar o espaço a sua volta, transmitindo dados para o mundo atual instantaneamente."
[Equivale nada! Isso é que é exagero! Mas a matéria de Veja oscila entre essa fé exagerada nos resultados dos testes no LHC e certa dose de racionalidade e realismo, como a expressa neste trecho: "Tudo indica que o universo nasceu com o Big Bang, mas o que existia antes dele? A resposta, tanto para os cientistas quanto para os metafísicos, é a mesma: nada. A questão é como algo pode ocupar um espaço que não existia." Ora a matéria afirma que o Big Bang deu origem a tudo, ora diz que "tudo indica" e que "pode" ter sido assim. Deveria ter mantido o mesmo tom, do começo ao fim.
Na edição desta semana, Veja publicou algumas cartas comentando a reportagem. Leia algumas delas:
"As muitas áreas da ciência apontam para uma fonte inteligente como a origem da vida. As probabilidades de a vida ter surgido ao acaso e ter-se desenvolvido por meio de processos aleatórios são tão pequenas que exigem uma fé superior à de uma proposta religiosa racional" (Paulo Pesch, Curitiba, PR).
"...desde que os homens deixaram de crer em Deus, o que se nota não é que não creiam em mais nada, é que crêem em tudo, inclusive no Big Bang" (Roberto de Castro Rios, São Paulo, SP).
"Se havia quem precisasse mais do que apreciar uma flor para acreditar em Deus, com essa reportagem, do que mais precisará?" (Rafael Coutinho, Salvador, BA).
Agora resta esperar pelos resultados dos testes no LHC para ver o que mais será dito sobre a origem de tudo. Por enquanto, nada de novo.
Um comentário:
IMAGENS
É relevante notar que já nas antigas Catacumbas de Roma, os antigos cemitérios cristãos, encontram-se diversos afrescos geralmente inspirados pelo texto bíblico: Noé salvo das águas do dilúvio, os três jovens cantando na fornalha, Daniel na cova dos leões, os pães e os peixes restantes da multiplicação efetuada por Jesus, o Peixe (Ichthys), que simbolizava o Cristo …
Note que esses cristãos dos primeiros séculos ainda estão debaixo da perseguição dos romanos. E eles faziam imagens e pintavam figuras. Será que eram idólatras por isso? É lógico que não, eles morriam às vezes mártires exatamente para não praticarem a idolatria, reconhecendo César como Deus e lhe queimando incenso. Ora, se os nossos mártires usavam figuras pintadas, é claro que elas são legítimas.
Nas Igrejas as imagens tornaram-se a “Bíblia dos iletrados”, dos simples e das crianças, exercendo grande função catequética. Alguns escritores cristãos nos contam isso.
S. Gregório de Nissa (†394) escreveu:
“O desenho mudo sabe falar sobre as paredes das igrejas e ajuda grandemente” (Panegírico de S. Teodoro, PG 94, 1248c).
S.João Damasceno, doutor da Igreja, grande defensor das imagens no Concilio de Nicéia II, disse:
“O que a Bíblia é para os que sabem ler, a imagem o é para os iletrados” (De imaginibus I 17 PG, 1248c).
“Antigamente Deus, que não tem corpo nem face, não poderia ser absolutamente representado através duma imagem. Mas agora que Ele se fez ver na carne e que Ele viveu com os homens, eu posso fazer uma imagem do que vi de Deus.”
“A beleza e a cor das imagens estimula minha oração. É uma festa para os meus olhos, tanto quanto o espetáculo dos campos estimula o meu coração para dar glória a Deus” (CIC, 1162).
“Como fazer a imagem do invisível? … Na medida em que Deus é invisível, não o represento por imagens; mas, desde que viste o incorpóreo feito homem, fazes a imagem da forma humana: já que o inviável se tornou visível na carne, pinta a semelhança do invisível” (I 8 PG 94, 1237-1240).
“Outrora Deus, o Incorpóreo e invisível, nunca era representado. Mas agora que Deus se manifestou na carne e habitou entre os homens, eu represento o “visível” de Deus. Não adoro a matéria, mas o Criador da matéria” (Ibid. I 16 PG 94, 1245s).
Postar um comentário